PESSOAS MAIS DO QUE ESPECIAIS...

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27 de fev. de 2012

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TÔ BÃO NÃO
(cê nem imagina o por quê...)


O Brasil é um caldeirão cultural.
Mas parece que no caldeirão de Minas algum ingrediente diferente ferve nessa sopa...
É algo meio nostálgico, algo poético seja na forma de viver ou na musicalidade do falar.
A religiosidade? Marcante.
O jeito de fazer política? Manhoso...
As mineiras? (*)...
          (*) Nossa Senhora Aparecida do Perpétuo Socorro

Ouvi-las com aquele sotaque é algo tão gostoso, tão acalentador...  e elas são lindas, ahh... como são! (Sra. Abranches que não leia isso...).
Alguma delas chegasse ao meu ouvido e “cantasse” pedindo para assinar um documento, assinaria mesmo sem ler. Assinaria até escritura e ainda perguntaria se era “só isso!?” (e que ela também não leia isso, principalmente...)
Passei 2/3 da minha vida morando fora das minhas Minas Gerais; percebo hoje o quanto perdi do traquejo de ser mineiro; perdi a embocadura e a elegância de falar assim, meio cantado. Confesso a você que às vezes não entendo quase nada do que falam.
Tenho como vizinhos dois jovens casais. São pessoas espetaculares, de uma simplicidade impar. É uma delícia “prusiá q’uêles”. Às vezes, quando não estou entendendo o que estão conversando, procuro então seguir o ritmo da expressão facial. Se riem, rio. Se fazem cara de preocupação, também faço mesmo sem entender o real motivo.
Já tinha ouvido falar que o WINZIP foi inventado pelos mineiros. Se pairavam dúvidas quanto a isso, hoje tenho certeza. Conseguem reduzir ao mínimo uma expressão deixando-a sincopada para ser falada ou escrita. Um exemplo.

ARQUIVO COMPACTADO:
_ Cê ké kafé?
_ Ô...
_ Pó pô pó?
_ Pó pô...
_ Pó pô pão?
_ Só pokim.
_ Ópôcevê, cafônkotô... nó!
_ Ô fí, pédi pá pô pôkim só.

Agora o ARQUIVO DESCOMPACTADO:
_ Você quer café?
_ Quero.
_ Posso colocar pó?
_ Sim, pode por.
_ Posso por pão?
_ Sim pode, só um pouquinho.
_ Olha para você ver, com a fome que estou... Nossa Senhora Aparecida do Perpétuo Socorro!
_ Meu filho, peça para colocar somente um pouquinho.

Não bastasse somente isso, por aqui algumas coisas tambem são conhecidas por nomes diferentes. Exemplos disso é que “Polícia” aqui é chamada de “Uzômi”. Quando querem dizer “afasta daqui” dizem “arréda”.  E por aqui eles não sentem “agonia”, sentem “gastura”, assim como também não comem “pão frances” e não param no “semáforo”, comem “pão de sal” e param  no “sinal”. Mineiro não pergunta “como é que você vai”, pergunta “cuméquicetá”...
Essa é a terra onde a “tangerina” é conhecida por “mixirica”, andar na “calçada” é andar no “passeio” e onde “bicicleta” é “cabrita” ou “cabrinha”.
Muitos sobem na cabrita e saem pedalando...
E falando em bicicleta, comprei uma cabrita.
É sério.
Lindona...  “vermelhona”, com campainha, sinalização noturna na dianteira, na traseira, na lateral e nos pedais.  Veio também com retrovisor do lado esquerdo. Uma beleza! Era quase uma Ferrari de duas rodas. Coisdilôco.
Mas você deve estar pensando: “O que tem de errado em comprar uma bicicleta cabrita?”
Realmente não tem nada de mais, não fosse o fato de que eu não sei andar de cabrita.
Mas essa historia deixarei para numa outra oportunidade.
Adispoisconto.
Melhor falarmos sobre artesanato: decoupage, cerâmica, patchwork, biscuit, scrap, feltro, ponto cruz (que a Sra. Abranches tá craque, fazendo trabalhos lindos), falarmos sobre E.V.A... essas coisinhas menos perigosas. Tábão?
...
Hãn?
O que?
Cê quer saber logo dessa história?
Tabão, eu conto.
Isso foi numa segunda feira... (ihhhhhhhhhhh). TÔ BÃO NÃO.
Deveria ter permanecido na cama o dintêrim (como comumente faço nesses dias) mas, como estava sem sono, acabei madrugando naquele trágico dia. Deveriam ser umas 2:45h mais ou menos...     ...da tarde. TÔ BÃO NÃO.
Não, porque naquele dia biltre, dia mandureba, sicofanta, desfaçatoso, chulé, chinfrim, pangaré, arraiamiúda, ignóbil, impudico, arrebitado, nigromante... (hummm.... deixe-me pensar em mais alguma coisa) ...dia acatruzo, ancípite, ozostômico, jenebereba (essa eu que inventei... gostei da fonética), dia de panelaço de chuchu “salgado” com catchup e creme de leite (eca!) ou um dia miojo de limão, realmente o que eu deveria ter feito era ter permanecido na cama para deixá-lo o mais curto possível e o mais próximo da belíssima terça feira que não tardava a raiar. Mas não... TÔ BÃO NÃO.
Olha, você sente que um dia é um dia ruim quando percebe que o sol nasceu no oeste, ou então quando pula da cama e erra o chão. Pois naquele dia, ao invés de ouvir os passarinhos cantando lá fora, ouvi foi um grugrulhar de um urubu...  enquanto que eu tentava escapar do bichinho de pelúcia da Sra. Abranches  pois ele queria me morder. Coisdilôco... coisas de segunda feira.
Num dia como esse, se você pensar em fazer alguma coisa que seja “boa” – como foi a minha brilhante idéia em ter uma cabritinha dentro de casa – isso acaba não acontecendo. Mas se a coisa é ruim, acontece.
Avisei a Sra. Abranches da minha intenção, explicando que ter uma bicicleta seria bom e mais fácil para que eu pudesse me deslocar.
_ É... é isso mêsss.... cê vai se descolocar todim quando levar o primeiro tombo. Hômiducéu, largadisso. Prenunciou ela num mau agouro e num sotoque de quem está querendo entrar nos limites de Minas Gerais.
_ No Superômi nada desloca. Falei, dando-lhe as costas e partindo para minha missão de laçar uma cabrita.
Mateus estava eufórico! Ouvia toda a discussão conversa e chegando até a pedir para que lhe trouxesse um "fióti" da cabrita, um cabritim.
Então fui lá... direto para a “Loja Cem” (deveria ganhar um cachezinho por citar o nome da loja...) onde uma vendedora magnífica... mineira de raiz... dos olhos igualizinhos aos da minha linda amiga Ana (nunca sei se são verde-azulados ou azul-esverdeados, algo que sempre me deixa na dúvida, mas que são encantadores, são!).
Mas a sorridente vendedora me abordou com um cantadim melodioso, quase num sussuro, mais ou menos assim: “Pô’não... quicêqué”. Uma abordagem perfeita! Treinamento das Lojas CEM. Nesse momento me pareceu que a labirintite tinha atacado, pois fiquei tôntim.
_ Queria ver uma bicicleta. Falei de forma desajeitada.
_ Ah.. cêqué muntá numa cabrita? (Na verdade ela não falou “muntá”, usou uma outra palavra que prefiro não escrever. Mas foi bastante profissional na abordáge.)
_ .... é. Respondi, parecendo o amigo do Zorro: o “Tonto”.
_ Vêncá... mostráprocê us modelo, uai... tem cada cabritinha bunita...!
E lá fui eu sendo arrastado pela Jafalei (esse era o seu lindo nome, li no crachá que usava).
_ Aquí ó... pódiscoiê. Falou a Jafalei me apontando bicicletas de várias cores.
Eram amarelas, azuis, vermelhas, cromadas, rosinhas, outras de cores estranhas... havia uma que parecia um tanque do exército, toda camuflada e tinha até um radio comunicador (eu, hein...!!!).
Para quebrar o gelo (não... não tinha nenhuma cor “gelo”, falei no sentido de “descontrair” mas para descontrair a mim mesmo que sentia meio troncho, meio torto e mal-acabado). Perguntei se era preciso ter CNH-C para andar com a cabrita.
Ela meio que fechou aqueles zoím bunitu, esboçou um sorriso encantador onde então percebi que tinha um dente colorido, e me perguntou:
_ Cêeneagá cê? (risos)... Quiquéisso? Jafalei falou.
O tonto aqui explicou que seria tipo uma autorização para conduzir a cabrita, uma Carteira Nacional de Habilitação de Cabrita.
Minina... quando falei isso, queria que o chão se abrisse sob os meus pés para que eu pudesse sumir, tal julguei o quanto foi de mal gosto a piada. Mas ela adorou... ahhhh, riu dimaisdaconta e num volume tão alto que alguns clientes e funcionários, que estavam próximos, voltaram os olhos em nossa direção para ver o que é que eu estava fazendo com a Jafalei. TÔ BÃO NÃO, coisdilôco!
Papo vai... papo vem... peguei o telefone dela para caso houvesse algum probrema no funcionamento da cabrita... questões de garantia... essas coisas, claro!
Escolhi a vermêia, a tal que falei que mais parecia uma Ferrari. TÔ BÃO NÃO.
_ Cê qué qui os rapáiz intrega onde? Cantou a Jafal... a moça.
_ Pricisa não... arremedei eu, tentando parecer um minêrim dusbão. Eu vou sair muntado nela. Completei.
Minina, aí é que vem o pobrema.
Nunca tinha muntado numa cabrita e eu dando uma de quem era um grande ciclista ou um bicicleiteiro (sei lá) habilidoso a ponto de sair pedalando da loja até a minha casa.
Olha, a pé eu gastei exatos 15min da minha casa até a Jafalei. Imaginei que, de volta com a cabritinha, gastaria uns 5min. Deslocamento fácil...
Tudo acertado, agarrado na cabrita em cima do “passeio” e a Jafalei ali... olhando.
Dei um “tchau” para ela imaginando que ela fosse embora atender algum outro cliente, mas ela ficou ali... parada... esperando eu montar no animal (sei não... acho que rolou alguma coisa... e que a Sra. Abranches “pelamordedeus” não leia isso).
Encostei no meio fio, olhei pr’um lado... olhei pr’u outro... analisei bem o esquema onde deveria colocar o primeiro pé... E a Jafalei só oiâno.
Quando eu debrucei a perna por cima da cabritinha ela refugou de um jeito me fez ir parar do outro lado, nos pés da Jafalei, que imediatamente procurou me acudir.
A campainha da bicicleta, quando roçou no chão, fez um barulho que parecia ao de um balido... coisa muito estranha.
_ Machucô? Cê ta bão?
Quase que respondi para ela: TÔ BÃO NÃO... mas dei uma sacudidela na calça, como  se fosse tirar a poeira, quando na verdade queria era saber se o joelho estava no mesmo lugar ou o quanto ele havia se deslocado...
_ Foi nada não... Acredito que tenha sido isso que respondi pois estava mais tonto do que o Tonto com labirintite.
_ O pé escapuliu do meio fio... justifiquei eu.
Ela, com aqueles olhos de Ana prosa, sorriu-me um sorriso largo e foi onde percebi que na verdade eram dois dentes coloridos.
Algumas pessoas pararam para ver o que estava acontecendo. Teve um gurizinho safado que falou assim:
_ Mãe... mãe... olha... não é o hômi caixa? Do carnaval?
Minina... queria morrer!
Grudei nas orelhas da cabrita e saí andando com ela de lado. Fui empurrando até sair do campo de visão da fofinha da Jafalei, isso sem contar das vezes em que o pedal bateu na minha canela, pois à medida que ia andando aquele trem ia dando voltas igual a uma manivela e, a cada volta, era uma batida na canela... Coisdilôco, TÔ BÃO NÃO.
Eu ainda escutava: “é ele sim... é ele sim, mãe...”, quando consegui virar numa esquina.
Olhei com raiva para minha Ferrari e pensei: “É agora que te pego!!”
Como quase todas as ruas de Cambuí, essa também era de descida. Estacionei a bendita Ferrari no meio fio, afundei o chapéu um pouco mais no cocuruto para que ele não saísse voando e fiz nova tentativa de trepar no bicho.
Grudei nos chifres dela e lancei uma perna por cima do seu lombo.
Naquele exato momento Cambuí parecia que estava sendo acometida por um terremoto, pois a cabrita zanzava prá cá... zanzava prá lá... e eu ali, tentando dominá-la, “garrádu” nos chifres (guidão)... onde parecia que a terra era quem tremia e me jogava de um lado para o outro.
Tentei fazer o movimento de “pedalar”, mas parece que ela percebeu a minha intenção e começou a pegar velocidade e aí eu comecei a ficar preocupado.
Procurei desesperado onde era o pedal do freio, mas não achei nada... e a cabrita ia embalando, ganhando velocidade... TÔ BÃO NÃO.
Mais à frente percebi um perigo eminente. Um cachorro observava eu e a cabrita com olhos e posição de ataque. Comecei a escutar um “zummmm...  zummmmm....” do vento querendo me rrancá o chapéu da careca. E o cachorro ia ficando maior...
Olha, eu chamei por todos os Santos que consegui lembrar o nome... roguei até para aqueles que por um acaso estivessem descansando ou de férias para que me ajudassem a parar aquele trem.
Quando o cachorro já estava numa distancia em que consegui visualizar e dimensionar o tamanho dos seus caninos, pensei: “É agora...”. Dei um puxão tão forte na orelha esquerda da cabritinha que minha mão chegou a roçar na campainha e dessa vez tive certeza de que ouvi um “Béééééééé....”.
Vou te dizer uma coisa e juro por tudo que foi santo que clamei: olhei prá frente e só vi o córrego Cambuí se tornando maior, quase um rio... e pensei comigo: tô n’água!
De repente só ouvi um barulhão.
Foi um farfalhar de folhas, misturadas com berro de cabrita e uns sons metálicos que, quando finalmente tudo se quietou, me vi socado numa touceira de um dos arbustos que a prefeitura tinha mandado plantar entre o calçamento e o córrego Cambuí (aqui eles chamam este arbusto de cesta de ouro, pois é repleto de flores amarelas).
Acredito que fui socorrido por um dos Santos dos que gritei, mas não sei a qual deles agradecer... mas acredito que ele também não sabia onde ficava o freio da bicicleta, foi quando então colocou na minha frente a cesta de ouro para “amortecer” minha queda.
Olhei de lado e consegui ver a cabrita um pouco à frente... agonizando... Alguns veículos que por ali passaram buzinaram e alguns motoristas riam... (que vergonha!).
Gesticulei com o dedim... assim ó (cê entende!?). Levantei dali mais parecendo um jarro de flor, pois estava entupido de cestinhas de ouro até no nariz.
Dor eu só não sentia nas orelhas, o resto do corpo, Nó...!
Levantei a agonizante cabrita e fui arrastando-a até minha casa. O para lama da frente parecia um “S” e a cada meia volta de roda, eu ouvia um agonizante “chop! tchap! clang! blém... blém”!
A pé eu gastei, da minha casa até a loja, 15 min..
Na volta eu conseguí fazer com 43,5min...

Cheguei em casa como um lindo vaso de flor, sem chapéu, todo suado e dolorido. Fui entrando pela sala e passei direto pela Sra. Abranches, pelo meu filho Mateus e pela minha sogrinha preferida, indo direto para o quarto sem falar nada.
Sra. Abranches até que ameaçou dizer ou perguntar alguma coisa, mas eu só fiz um gesto com a mão indicando para que não dissesse nada...
Lá do quarto eu ainda consegui ouvir o Mateus falar
_ Mas mãe... o pai comprou uma bicicleta usada, foi???
TÔ BÃO NÃO.

Continuarei andando a pé, mas permaneço vivo.


Grande beijo para você e uma semaninha de muitas alegrias e paz no seu coração.
õ[õ  Jota-A

    



Um comentário:

Anônimo disse...

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