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Mineiro, UAI...
Depois de tanto escrever sobre desgraça pessoal, arresorví mudá um cadím de rumo.
Ontem, naquele dia horroroso, fui conhecer um local maravilhoso. Passei o dia n’um sítio localizado nas proximidades do município de Cambuí. Um “cântím” entre serras, com vegetação em três tonalidades de um verde que é um deslumbre. Um cheiro de campo que ainda trago impregnado na roupa e na alma... Um sonho à venda que me deixou “doidím...”.
Falarei então um pouco desse “povo” que me acolheu com tanto carinho.
Os moradores – tanto os anfitriões quanto os vizinhos – de uma humildade impar e que te recebe com um sorriso doce sempre presente no rosto. Agradáveis d’um tanto, que quase chegam ao ponto de nos carregar no colo.
O povo de minas é assim.
Povo de um estado com um nariz imenso; povo com um estado de espírito grandioso.
Conhece-se bem o mineiro pelo seu jeito de falar, mas também pelo jeito silencioso de ouvir.
Dia desses, chegava eu em casa, quando vislumbrei ao longe Sra. Abranches conversando com duas vizinhas.
“Evém ele...”, ouvi de uma delas.
Não é uma dilícia ouvir isso? Muito mió do que o tradional “Olha, lá vem ele...”
Mineiro é muito discreto, sóbrio, cauteloso (dimaisdaconta, sô), caladão, desconfiado... arisco! Mas também é um indivíduo afetuoso, hospitaleiro, confidente, afável, disciplinado, prudente, amante da ordem e da liberdade.
Nunca perde o trem, assim como não mete a mão em cumbuca e não amarra cachorro com lingüiça. Dificilmente diz o que faz (e nem o que vai fazer) e, daquilo que sabe, finge que não sabe... Inteligentemente passa por bobo, mas é muito esperto.
Não é pão duro, é econômico uai...
Herdou dos judeus o hábito de poupar e, mesmo estando numa situação “confortável”, sendo a ele perguntado: “Como vão as coisas?”, antes de responder empurra o velho chapéu de palha para trás, coça a cabeça, olha ao longe e diz: “Vô pelejando, sô.”
Nunca diz que está tudo bem, pois podem pedir dinheiro emprestado. Cê besta, uai.
Passei o dia ouvindo “causos”. E rimos... NÓ!... Rimos dimaisdaconta, sô.
Quem contava o "causo", jurava que era tudo divera.
“Fí, iscuta bem:
Socê saí, nun isquéci o guarda-chuva...
mas num leva dinhêro.
Socê levá, num entra em lugá ninhum;
Socê entrá, num gasta;
Mas se gastá, num puxe a cartêra;
Socê puxá, num paga;
Mas socê pagá, ocê paga somente a sua
e nu’isquece do trôco, pelamordedeus.”
Esse é o mimeiro... simples, calentoso, de uma religiosidade tamanha que, mesmo quando ateu, é muito religioso... e não mente nunca!
Ok... ok... talvez até minta só um cadím, mas se o fizer, faz com uma certa “maestria”.
Ouvi o caso do mineirim que tinha 12 filhos (diz-se ser o primo de quem contou a história, o Sêo Dimão) que não conseguia alugar uma casa por conta de toda a sua prole. Os proprietários dos imóveis simplesmente temiam que os seus fí destruíssem a casa. “
_ Doze???!!! Ah, não... dijeit’ninhum!
Mas vai daqui... vai dalí, disse que o Zé Bulím (assim o nome do nosso personagem) pensou muito e decidiu mandar a muié e 11, dos seus 12 fí, passearem no cemitério. E lá foram, enquanto que ele e o fí que sobrou partiram para ver uma casa que estava para alugar.
_ Mas quân’s fí cê tem? É só êzdaí?
_ Não... tenho doze!
_ Doze???!!! Mas ontá us ôtro?
Zé Bulím, com cara de tristeza, tira o chapéu, abaixa a cabeça e diz:
_ Tudím no cemetério... junto c’oa mãe dêis!
Conseguiu a casa, ganhou um desconto no aluguel do condoído e sensibilizado senhorio e, não mentiu. Um jeito tinhoso, mas honrado!
Há também o caso do mineiro que se encontrava no curral ordenhando as vacas.
No meio do pasto um boi com cara invocada. Era o “kruel”.
Chega o cumpádi.
_ Cumpádi, vêncá qui’ieu priciso falá côce.
_ Uai, cumpádi, intonce vem ocê aqui, uai... , e continuou ordenhando a vaca.
_ Má’cumpádi... esse boi num vai mi pegá?
_ Ah... vai não cumpádi. Podintrá.
O cumpádi entra no pasto, o boi sai correndo atrás dele, e ele põe sebo nas canelas a tempo de pular a cerca antes que fosse atingido pelo Kruel. E o cumpádi lá... ordenhando as vacas.
_ Ô cumpádi... má ocê é fidazunha mêss nénão? Ocê disse que o danado do Kruel num pegava eu?
_ Uai, e prun’acauso pegô ?!
Não mentiu.
Disseram que Dona Vivenciana, pesquisadora do IBGE em Cambuí, foi visitar a propriedade do Sêo “Pelé do Sindicato”, vizinho do Sr. José Silva, proprietário do sítio que fomos ver.
De colete e boné azul com a identificação do IBGE, crachá ao peito, computador de mão, bate à porta de táuba do rancho do "Sêo Pelé do Sindicato". Ele atende.
_ Oi, Sêo Pelé... bom dia. Estou fazendo o recenseamento e preciso que o Sr. me preste algumas informações.
Depois de obter algumas informações básicas, passou a perguntar sobre a atividade rural do Sêo Pelé.
_ Sêo Pelé, essa terra dá mandioca?
_ Dá não senhora...
_ Dá batata?
_ Ói... também dá não!
_ Dá feijão?
_ Íiiii... nunca deu.
_ Arroz?
_ Dijeit’uninhum...!
_ Milho?
_ Nem brincâno!
_ Mas Sêo Pelé... quer dizer que por aqui não adianta plantar nada?
_ Ah, bão! Se nóis plantá aí é deferente...
E por aí foram os “causos”.
Pouco antes do almoço, tomamos uma cachacinha p’rá abrir o apetite... Coisdilôco!
Um produto totalmente artesanal de um alambique caseiro. Acredito que tomei umas 4... hehehehe
A cachaça é a terceira bebida mais consumida no mundo e Minas Gerais, o maior estado produtor do Brasil.
Já dizia o nosso poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.
"Queiram ou não queiram seus adversários, a cachaça é uma utilidade pública brasileira, dado histórico nacional, remédio que não se compra nas farmácias e costuma produzir muito mais efeito que as drogas sofisticadas, com suas bulas herméticas. Não lhe faço apologia, de que não precisa. Registro sua presença cultural, seu fascínio sobre a mente do povo.”
Entre umas e outras... e depois de alguns nacos de queijo, lembraram da história de um mineiro que foi experimentar um vinho. Um primor e elegante Pinot Noir, um genuíno Bourgogne vindo do “Couvent dês Jacabins, safra 2008... uma maravilhosa delícia, sutil aroma.
Serviram o mineirim que, de uma só golada, sorve o Pinot Noir...
_ Eca...
_ Eca?! Quem falou Eca? Perguntou um famosíssimo enólogo que encontrava-se próximo do nosso personagem.
_ Uai, fui eu, sô! O sinhô num acha que esse trem tá com um gostím isquisito? Tá istragado?
_ Que é isso?! Ele lembra frutas secas adamascadas, com leve toque de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas sutil, que enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas... Um autêntico Couvent dês Jacabins da melhor safra.
_ Futa que fariu, sô! E o sinhô cherô tudim iss’daí no copo?!
_ Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor?
_ Cê besta sô, eu não! Sô isso não sinhô! Mas qu’ isso tá me cherândo igualinho a minha égua Gertrudes adispois que toma chuva, ah... iss’tá!
_ Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!
_ O sinhô me adiscurpe, mas eu ôie o sinhô sacudino o copo e chuçando o narigão lá dentro. O sinhô tá constipado, é?
_ Não, meu amigo, são técnicas internacionais de degustação entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a taça, deitar o vinho e, então...
_ Intão moiá o biscoito, né? Tô fora, ora sô... seo frutinha adamascada!
_ O meu querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo no...
_ Má’ocê num vai introduzi mais é nunca! Cê disafasta daquí, coisa ruim!
_ Calma, calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação. Hoje, por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...
_ Hãn-hãn... ma’ieu sabia que tinha francêis nessa istória lazarenta...
_ O senhor poderia começar com um Beaujolais!
_ Num bêjo lá e num bêjo lug´pa ninhum, seu lagartixa! Eu sô é hômi, seu safardana!
_ Então, que tal um mais encorpado?
_ Óia lá... ocê tá brincano com fogo... seu... seu...
_ Ou, então, um suave fresco!
_ Seu fióti de grilo, ocê tome tento que minha mão tá coçando... to doidim prá meter um suave frêsco nas sua venta!
_ Já sei: iniciaremos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar!
_ Num vô... num vô, fí d’um cão! Mas num vô, mermo! Num é questão de tamanho nem firmeza, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é outro...
_ Então, vejamos, que tal um aveludado e escorregadio?
_ E que tal a mão no pédovido, hein, seu fióte de Belzebu?
_ Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere um duro e macio, acertei?
_ Eu é qui vô acertá um safanão nas suas venta, cão sarnento! Ingulidô de rôia!
_ Mole e redondo, com bouquet forte?
_ Hômiducéu... agora ocê pulô o corguim! Ninguém misigura... e é um... e é dois... e é treis!
E sai o mineiro correndo atrás do famosíssimo enólogo.
_ Num corre não sêo fidaputa! Vórta aqui que eu te arrebento, sua mariposa fedorenta!...
Terminada essa história, deram pela minha falta. Só aí é que me viram caído no chão, engasgado de tanto rir. Levei uma sova nas costas, sendo que o ultimo tapa, dado pelo Sêo Pelé do Sindicato, fez com que o pedacim de queijo que tava grudado das minhas papilas gustativas, saísse. Só então eu pude dizer:
_ Essa foi boa, uai...
Um grande e doce beijo procê. Tenha uma semana de muita luz e alegrias no seu coração.
Õ[õ Jota-A